Foi entre o segundo e o terceiro
livro da série napolitana da Elena Ferrante, quando resolvi fazer uma leitura de respiro, e escolhi
o “Até o dia em que o Cachorro Morreu”, um romance curto do Daniel Galera.
Foi sutil, mas bastou uma palavra
para que me lembrasse de você... O livro não é, nem de longe, o mais marcante
da obra de Galera, com uma escrita bem diferente do que aparece em "Barba
Ensopada de Sangue", ele conta a história de um jovem vivendo em Porto Alegre e, em uma passagem, você apareceu.
“Meu estômago doía pra cacete. Andava comendo pouco e tomando trago
demais.”
E então notei que não foi só na
palavra trago que reconheci a maneira
como você escrevia, mas em toda a narrativa, no desanimo do protagonista com as
coisas que antes eram paixões, na quantidade de bebida e cigarro, em tudo...
Em tudo que minha memória guarda
das últimas vezes que nos falamos. Jamais me esquecerei de você dizendo que “Woody
Allen era uma das poucas coisas que você ainda se interessava daquelas coisas”, essa frase, dita com um tom pejorativo em sua voz, foi um soco
no meio da minha cara, como se na sua nova vida não houvesse nenhum espaço para
os interesses que dividimos, e como se você quisesse loucamente se afastar de
qualquer coisa que tivesse qualquer ligação comigo. Eu jamais me esquecerei.
Daquele momento até aqui, essa
não foi a única vez que você apareceu, mas eu tentei muito te manter longe, e colocar
os presentes que me deu à venda foi uma decisão que tomei relutante, depois de
guardar cada um deles, sem uso, por seis anos, aquilo precisava sair dali.
Guardei, não por sentir algo por
você hoje, mas porque, diferente de você, eu jamais quis apagar a nossa
história da minha, eu não seria quem sou hoje se não tivesse passado aqueles
anos observando e absorvendo tudo o que você naturalmente exalava, sabe? A
cultura, música, cinema, literatura beat, isso me encantava, até que a sua
empolgação sumiu, fato decisivo para o fim de nossa história.
Hoje, em um relacionamento
completamente diferente, em que há admiração pelo outro e não uma disputa
juvenil, e depois de uma certa desconstrução, eu entendi que a sua empolgação não
sumiu, ela só mudou, você passou a querer coisas diferentes e me olhar com
julgamento, por ser extrovertida, por falar com paixão em qualquer lugar sobre
coisas que me empolgavam, por não usar salto – esses malditos que você tanto
insistiu que eu usasse – por ser do jeito que eu sou, por usar piercing, por
ter cara de menina e não de mulherão... seis anos depois eu uso piercing, eu falo
com paixão, eu não uso salto a menos que seja extremamente necessário, eu sou
exatamente o que estava sendo moldado ali, menos babaca e arrogante, mas aquela
pessoa.
Eu nunca consegui escrever sobre esses sentimentos, mas hoje
acho que não me mágoa mais pensar em como rompemos a nossa relação, não só
amorosa – que deveria ter acabado muito antes – mas também a de amizade.
Espero que esteja bem, porque eu estou.