sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Quando você apareceu

Foi entre o segundo e o terceiro livro da série napolitana da Elena Ferrante, quando resolvi fazer uma leitura de respiro, e escolhi o “Até o dia em que o Cachorro Morreu”, um romance curto do Daniel Galera.
Foi sutil, mas bastou uma palavra para que me lembrasse de você... O livro não é, nem de longe, o mais marcante da obra de Galera, com uma escrita bem diferente do que aparece em "Barba Ensopada de Sangue", ele conta a história de um jovem vivendo em Porto Alegre e, em uma passagem, você apareceu.

“Meu estômago doía pra cacete. Andava comendo pouco e tomando trago demais.”

E então notei que não foi só na palavra trago que reconheci a maneira como você escrevia, mas em toda a narrativa, no desanimo do protagonista com as coisas que antes eram paixões, na quantidade de bebida e cigarro, em tudo...

Em tudo que minha memória guarda das últimas vezes que nos falamos. Jamais me esquecerei de você dizendo que “Woody Allen era uma das poucas coisas que você ainda se interessava daquelas coisas”, essa frase, dita com um tom pejorativo em sua voz, foi um soco no meio da minha cara, como se na sua nova vida não houvesse nenhum espaço para os interesses que dividimos, e como se você quisesse loucamente se afastar de qualquer coisa que tivesse qualquer ligação comigo. Eu jamais me esquecerei.

Daquele momento até aqui, essa não foi a única vez que você apareceu, mas eu tentei muito te manter longe, e colocar os presentes que me deu à venda foi uma decisão que tomei relutante, depois de guardar cada um deles, sem uso, por seis anos, aquilo precisava sair dali.

Guardei, não por sentir algo por você hoje, mas porque, diferente de você, eu jamais quis apagar a nossa história da minha, eu não seria quem sou hoje se não tivesse passado aqueles anos observando e absorvendo tudo o que você naturalmente exalava, sabe? A cultura, música, cinema, literatura beat, isso me encantava, até que a sua empolgação sumiu, fato decisivo para o fim de nossa história.

Hoje, em um relacionamento completamente diferente, em que há admiração pelo outro e não uma disputa juvenil, e depois de uma certa desconstrução, eu entendi que a sua empolgação não sumiu, ela só mudou, você passou a querer coisas diferentes e me olhar com julgamento, por ser extrovertida, por falar com paixão em qualquer lugar sobre coisas que me empolgavam, por não usar salto – esses malditos que você tanto insistiu que eu usasse – por ser do jeito que eu sou, por usar piercing, por ter cara de menina e não de mulherão... seis anos depois eu uso piercing, eu falo com paixão, eu não uso salto a menos que seja extremamente necessário, eu sou exatamente o que estava sendo moldado ali, menos babaca e arrogante, mas aquela pessoa.

Eu nunca consegui escrever sobre esses sentimentos, mas hoje acho que não me mágoa mais pensar em como rompemos a nossa relação, não só amorosa – que deveria ter acabado muito antes – mas também a de amizade.


Espero que esteja bem, porque eu estou.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

A explosão


Só alguém tão intenso quanto eu poderia explicar como eu me sinto nesse momento...

Quando era mais nova, esse vulcão de sentimentos confusos entrava em erupção por diversos motivos, até sem muitas razões, mas com o tempo, com as pancadas da vida, com a idade e contato com pessoas calmas, esse vulcão acabou sendo controlado, vindo à tona somente em casos extremos, sejam eles de bebedeira, ou de indignação.

E a indignação, ah, ela é muito pior que a bebedeira, porque quando bêbada, eu acabo é falando besteiras, engana-se quem acha que tudo que falamos depois de algumas cervejas é rascunho da realidade.
Indignada eu falo verdades, mesmo que deturpadas, são os sentimentos dentro de mim, e sinto dessa forma, porque doem como verdades.

E eu controlo, eu seguro, eu reprimo as explosões que borbulham dentro de mim, seja para não magoar uma pessoa querida ou só para me poupar do desgaste.
Mas recentemente, passando por um estado constante de indignação, a minha capacidade de segurar o que sinto tem sido cada dia mais falha, e tem exigido de mim uma energia que parece tão maior do que a gasta se eu decidisse só jogar a merda no ventilador.

Me consome, me entristece, me sinto enjoada e impotente o tempo inteiro.

Pensar que há muito não sentia algo tão horrível dentro de mim, um sentimento tão ruim por outra pessoa, faz com que eu me sinta derrotada.
A luta diária para não sentir ódio de alguém, é batalha constante, é algo que você está sempre prestes a perder, ainda mais quando o outro parece estar disposto a tornar a sua vida um inferno.

Eu gostaria de dizer que sou superior e controlada o suficiente para não ceder a sentimentos tão primitivos como ódio e ira, mas nesse momento escrevo como quem perdeu a luta, falou e machucou pessoas que não deveria com palavras duras, isso tudo movido por uma raiva que emergiu de forma incontrolável em um momento inadequado.

Amanhã começo novamente a contagem de dias sem deixar que a intensidade do que eu sinto destrua o que eu tenho tentado construir diariamente.
Mas nesse momento eu sou inteira ódio.
E me odeio por permitir isso e você por me causar isso.

O ódio, tal como o amor, alimenta-se com as menores coisas, tudo lhe cai bem. Assim como a pessoa amada não pode fazer nenhum mal, a pessoa odiada não pode fazer nenhum bem.
Honoré de Balzac