O apartamento nº4 no bloco 4A não foi muito querido a princípio.
Foi difícil para a minha irmã mais velha, adolescente na época, deixar
para trás o bairro em que cresceu e fez tantos amigos queridos, e mudar para o
apartamento que a nossa avó construiu, e que de verdade, eu só fui entender a
importância e como essa construção aconteceu depois de bem mais velha.
Eu e a minha irmã mais nova morávamos com a minha tia, avó e irmã, então mudamos também, mas sofremos pouco porque não tínhamos esse
apego todo com o antigo bairro.
O lugar era feinho, não tinha nada em volta, nem asfalto direito,
um ano se passou, eu e a Camila voltamos a morar com nossos pais, e me lembro
da Flá chorando na hora da despedida e eu nem entendi muito bem, já que
estaríamos tão pertinho dali.
Sei que ela passou por inúmeras coisas naquele apartamento, foi lá
que ela arrumou um namorado que a minha avó e tia detestavam e namorou
escondida um tempão, e o irmão desse rapaz foi com quem eu dei um dos meus
primeiros beijos, foi também o primeiro menino que disse que eu era bonita,
mesmo com meus quilinhos a mais.
Passamos tantos natais lá e não eram supeeeer animados, mas hoje
me fazem tanta falta. Lembro de um, que a minha avó resolveu não passar em casa,
e como ficamos chateados.
Foi querendo ir para o apartamento nº4 que eu peguei meu primeiro
ônibus, e onde eu passava as minhas férias inteiras de escola, descobrindo como
arrumar meu cabelo, sendo zuada pelas meninas do prédio que era malignas como
toda adolescente, e sempre que eu saia de lá, voltava transformada para casa,
era visível isso, eu sentia a mudança e gostava.
Foi lá que a minha irmã passou na USP depois de passar tantas
noites em claro estudando, e lá também que a minha tia adoeceu e veio a
falecer.
Foi lá que eu tive aulas com a Flá desde os meus 13 anos.
E também foi onde a minha avó perdeu o brilho dos olhos.
Quando isso aconteceu, eu voltei a morar no apartamentinho, mas
desta vez só com a minha irmã, e foi quando a minha vida mudou.
O namorado que realmente me acrescentou algo, e na época era
legal, conheceu essa casa antes da dos meus pais, e foi nela que eu descobri
quem era Woody Allen (já falei mil vezes isso aqui), e um monte de gente que
hoje servem de inspiração para a minha vida.
Conheci bandas, assisti Alta Fidelidade mil vezes, cantei Pavement
bem alto, tomei porre com a minha irmã e levei muita bronca. Ah, e tinha sarau nas manhãs de sábado com direito a música clássica e tudo.
Foi nele que eu entrei na faculdade e chegava bêbada, triste,
cansada etc, e com o tempo o namoradinho se foi... E as coisas continuaram
caminhando.
Aí, chegou a hora da minha querida se casar, arrumou um amor para
toda a vida e foi se embora ser feliz. Em menos de 3 meses eu estava de volta,
desta vez com meus pais, no mesmo quarto que ocupei quando tinha 9 anos e com
mais que o dobro da idade.
Trouxe amigos, o Thiago, fiz meu TCC, noite após noite, acordada em
frente ao computador da sala, fumando os últimos cigarros da minha vida.
Aceitei namorar novamente com o Thiago dentro destas paredes, e
foi uma das melhores coisa que fiz <3 o:p="">3>
E foi no portão do condomínio, que o meu pai deixou eu, minha mãe
e minha irmã mais nova sozinhas no apartamento nº4.
E foi aqui que nós superamos, e que a saudade martela dia após
dia.
E hoje, chegou a minha vez de deixar este lugar que me viu
crescer, me salvou e deve carregar a história da minha família, para viver o
resto da minha vida em um novo apartamento, que eu espero, seja ocupado com
tanta felicidade quanto este aqui.
Embalar as coisas para deixar esse lugar é sofrido, me traz uma
saudade de todo mundo que já passou por aqui, de outros tempos, não por medo do
novo, mas porque foi tão bom.